sexta-feira, 20 de julho de 2012

Exercício de Prática de leitura


Texto 1:



Recado ao Senhor 903

Vizinho,



Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito a repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor; é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos: apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul.

Prometo. Quem vier à minha casa (perdão: ao meu número) será convidado a se retirar às 21h45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois as 8h15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará ate o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada: e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.

[...] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: ‘Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou’. E o outro respondesse: ‘Entra vizinho e come do meu pão e bebe do meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela’.

E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.



BRAGA, Rubem. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1991.







1.1 – Nos dois primeiros parágrafos, o texto se configura sob a forma de uma carta. Contudo, a partir da leitura do terceiro parágrafo, o texto muda de tom e percebe-se que se trata de uma crônica escrita sob a forma de carta, constituindo esse texto de Rubem Braga um claro exemplo de um gênero textual híbrido. Comprove esta afirmação apresentando ao menos uma característica, presente na construção do texto, de cada gênero mencionado.



1.2 – “[...] é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita [...]”. No decorrer do texto, o narrador emprega números para se referir a outros moradores e a si próprio. O que, nesta crônica, tal emprego sugere?



1.3 - O recado para o vizinho parece terminar ao fim do segundo parágrafo, com a promessa de silêncio feita pelo remetente – “[...] e prometo silêncio”. No entanto, pelo menos no texto, sua voz continua e a crônica prossegue. Identifique a palavra que marca a impossibilidade de o narrador conseguir se encaixar no modo de vida que critica e diga qual o seu valor semântico.





1.4 - A partir do terceiro parágrafo, percebemos uma posição diferente do narrador, que passa a sonhar com outra situação em relação, não só à sua vizinhança, mas também à vida na cidade grande. Qual tempo e modo verbal ele utiliza para expressar este desejo? O que a utilização desse modo verbal indica?



Texto 2








2 – Releia o último parágrafo do Texto 1 e o segundo quadrinho do Texto 2 para responder a questão abaixo.



Em ambos os trechos, é feita uma enumeração. No texto de Rubem Braga, há o uso de certo tempo e modo verbal para indicar um universo sonhado pelo autor da carta; já na tirinha, há o uso de outro modo verbal, para indicar uma situação oposta. Indique este modo verbal e, a partir de seu valor semântico, explique o recurso usado por Mafalda para preparar a morte do inseto.






Exercícios sobre Figuras de Linguagem

1- (Uerj) Leia o texto de Carlos Drummond de Andrade e, a seguir, responda à questão.

O marciano encontrou-me na rua

e teve medo de minha impossibilidade humana.

Como pode existir, pensou consigo, um ser

que no existir põe tamanha anulação de existência?

Afastou-se o marciano, e persegui-o.

Precisava dele como de um testemunho.

Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se

no ar constelado de problemas.

E fiquei só em mim, de mim ausente.



Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se

no ar constelado de problemas. (v. 7-8)


O estranhamento provocado no verso sublinhado constitui um caso de:


(A) pleonasmo

(B) metonímia

(C) hipérbole

(D) metáfora


2- (UEL)


Ambiciosa


Para aqueles fantasmas que passaram,

Vagabundos a quem jurei amar,

Nunca os meus braços lânguidos traçaram

O voo dum gesto para os alcançar ...

Se as minhas mãos em garra se cravaram

Sobre um amor em sangue a palpitar ...

– Quantas panteras bárbaras mataram

Só pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária

Erguida na montanha solitária

Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? – Terra tão pisada,

Gota de chuva ao vento baloiçada ...

Um homem? – Quando eu sonho o amor de um Deus! ...

(Adaptado de: ESPANCA, F. Sonetos. São Paulo: Martin Claret, 2007. p.78.)


No verso “minha alma é como a pedra funerária” (verso 9), temos um recurso poético denominado:


(A) Antítese.

(B) Metáfora.

(C) Símile.

(D) Sinestesia.

(E) Anáfora.


3- (UFRRJ/Adaptado) Paradoxo é um recurso semântico por meio do qual se relacionam expressões antônimas com a finalidade de conciliar conceitos contraditórios. Dentre as passagens abaixo, constitui um paradoxo


(A) "para pensar um belo pensamento"

(B) "para se ver chorando, e gostar de chorar"

(C)"e adormecer de lágrimas e luar"

(D)"Quem tivesse um amor sem dúvida nem mácula"

(E) "sem antes nem depois: verdade e alegoria..."


4- (FUVEST/USP) Leia a música abaixo e, a seguir, responda às questões a e b.


Uma palavra


Palavra prima

Uma palavra só, a crua palavra

Que quer dizer

Tudo

Anterior ao entendimento, palavra

Palavra viva

Palavra com temperatura, palavra

Que se produz

Muda

Feita de luz mais que de vento, palavra

Palavra dócil

Palavra d’água pra qualquer moldura

Que se acomoda em balde, em verso,

em mágoa

Qualquer feição de se manter palavra

Palavra minha

Matéria, minha criatura, palavra

Que me conduz

Mudo

E me escreve desatento, palavra

Talvez, à noite

Quase-palavra que um de nós murmura

Que ela mistura letras, que eu invento

Outras pronúncias do prazer, palavra

Palavra boa

Não de fazer literatura, palavra

Mas de habitar

Fundo                    

O coração do pensamento, palavra


                                                      Chico Buarque, Uma palavra. BMG/Ariola, 1995.


5(a). A palavra apresenta-se personificada, nos versos dessa letra de canção, transcritos em


(A) “Anterior ao entendimento, palavra”.

(B) “Palavra d´água pra qualquer moldura”.

(C) “E me escreve desatento, palavra”.

(D) “Quase-palavra que um de nós murmura”.

(E) “Outras pronúncias do prazer, palavra”.


5(b). Uma expressão usada pelo compositor para atribuir à palavra um sentido próprio, não figurado, é:


(A) “crua palavra”.

(B) “palavra com temperatura”.

(C) “feita de luz”.

(D) “palavra dócil”.

(E) “palavra minha”.


6- (Enem) Ferreira Gullar, um dos grandes poetas brasileiros da atualidade, é autor de "Bicho urbano", poema sobre a sua relação com as pequenas e grandes cidades.

Bicho urbano

Se disser que prefiro morar em Pirapemas
ou em outra qualquer pequena cidade do país
estou mentindo
ainda que lá se possa de manhã
lavar o rosto no orvalho
e o pão preserve aquele branco
sabor de alvorada.
.....................................................................
A natureza me assusta.
Com seus matos sombrios suas águas
suas aves que são como aparições
me assusta quase tanto quanto
esse abismo
de gases e de estrelas
aberto sob minha cabeça.
                (GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1991)

Embora não opte por viver numa pequena cidade, o poeta reconhece elementos de valor no cotidiano das pequenas comunidades. Para expressar a relação do homem com alguns desses elementos, ele recorre à sinestesia, construção de linguagem em que se mesclam impressões sensoriais diversas. Assinale a opção em que se observa esse recurso.


(A) "e o pão preserve aquele branco / sabor de alvorada."
(B) "ainda que lá se possa de manhã / lavar o rosto no orvalho"
(C) "A natureza me assusta. / Com seus matos sombrios suas águas"
(D) "suas aves que são como aparições / me assusta quase tanto quanto"
(E)  "me assusta quase tanto quanto / esse abismo / de gases e de estrelas"


7– (UFSCAR-SP) Para responder a esta questão, leia os versos:


E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

Mudaram as estações

Nada mudou.


É notória a oposição de ideias nos versos, o que significa que neles se encontra como principal figura de linguagem  a:


(A) metáfora

(B) antítese

(C) sinestesia

(D) metonímia

(E) catacrese


8- (UFPE) Observando as figuras de linguagem empregadas nos enunciados abaixo, podemos afirmar que a metáfora só NÃO apareceu em:

(A) Delegacia se afoga num mar de inquéritos.

(B) Fantasma do desemprego tecnológico assombra trabalhadores que vivem das atividades de calcinadoras a lenha.

(C) Dirigir falando no telefone celular aumenta quatro vezes o risco de colisões.

(D)De volta à moda e aos pés femininos, o elegante e famigerado salto alto reacende a fogueira da inquisição ortopédica.

(E) É grande o nó burocrático de museus e orquestras para liberar obras e instrumentos na alfândega.